Falou e Disse

A frase morreu?

Alguém já disse que acabou a era das grandes frases. Escrever bem, hoje, é sinônimo de escrever simples. Em nome da comunicação sacrifica-se o torneado fraseológico, que antes era perseguido com volúpia narcísica.

Cada autor parecia ver na frase retumbante uma ampliação gráfica do próprio ego.

Atualmente as virtudes mais requisitadas são a simplicidade e a transparência. Vários motivos podem explicar isso, entre os quais o dinamismo da vida moderna e o pragmatismo de uma sociedade de resultados.

Estamos mais atentos aos fins do que aos meios. Não há tempo para se perder horas a fio pensando na melhor maneira de expressar um juízo, um conceito, um sentimento. 

Outra razão para o desprestígio da frase estaria na influência da linguística textual. Esse ramo da linguística valoriza o texto, vale dizer, o conjunto ordenado e coeso de palavras, frases e parágrafos. O que conta nessa organização solidária, em que os componentes têm praticamente o mesmo valor, é o papel do conjunto.

Ou seja: a ênfase desloca-se da frase isolada para o “texto” como uma unidade comunicativa completa. Ele é então visto como algo mais do que a soma das frases. Possui propriedades que não podem ser explicadas apenas pela análise frasal.

Entre essas propriedades estão a coerência (não contradição), a coesão (unidade dos componentes, promovida por conectivos e termos de referência), a situacionalidade (adequação dos elementos à situação comunicativa) e a informatividade (suficiência de informações).

Nessa perspectiva, a “frase” é vista tão só como uma unidade que contribui para a construção do sentido global do texto, a macroestrutura. A análise da frase isolada, sem considerar seu papel no tecido textual, oferece uma compreensão limitada do significado e da função da linguagem em uso.

Ao colocar a ênfase no “texto”, a linguística textual busca compreender como as diversas unidades se organizam e interagem para criar um todo significativo, considerando fatores contextuais, cognitivos e comunicativos que transcendem o nível frasal.

Isso tende a apagar o brilho da frase, que chama a atenção para si. Muitas vezes um escritor medíocre tentava superar sua irrelevância com uma frase de efeito, que ali se encaixava como pepita no cascalho. O escritor tinha consciência disso e compunha seu texto de modo a valorizar esse fragmento luminoso, deixando o resto no escuro.   

A frase perdeu status porque nos tornamos menos retóricos. Ninguém tem mais paciência com preciosismo ou verbosidade.

Isso por um lado é bom, mas por outro tem gerado certo empobrecimento linguístico. No jornal, por exemplo, a linguagem de grande parte dos cronistas e articulistas está ficando homogênea, despersonalizada. Percebe-se neles a preocupação com a digestão fácil do texto, o que às vezes redunda em pobreza semântica. Poucos têm uma marca verdadeiramente pessoal de estilo.

Talvez a morte da frase tenha a ver com isso.

Mostrar mais

Chico Viana

Chico Viana é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais, como a revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) e a da Associação Brasileira de Estudos Medievais (Abrem). Publicou “O evangelho da podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos” e outros títulos à venda na Amazon. Atualmente dá aulas virtuais de Português e Redação no curso que leva o seu nome. Entre seus blogues, destacam-se chviana.blogspot.com e chicoviananapontadolapis.blogspot.com.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar